quarta-feira, 13 de junho de 2012

A sujidade que confunde

 Mesmo sujo, governo quer rio Pinheiros sem cheiro foi o desastroso título editado em 8 de abril no caderno Cotidiano do jornal Folha de S. Paulo. Tal título corre o risco de induzir o leitor a fazer mau juízo de instituições governamentais.
Deixando de lado a interpretação política resultante, apesar de o momento político favorecê-la, percebe-se que o redator não quis classificar o governo como sujo, já que fala do rio Pinheiros, tradicionalmente malcheiroso.
Mas pensemos na confusão que se pode criar em campanhas com manchetes e denúncias exibidas vapt-vupt em horário eleitoral, mostrando títulos sem contexto. Todo cuidado é pouco!
Melhor seria, portanto, o redator ter tido mais trabalho para achar solução, digamos, mais limpa, a fim de evitar equívocos desnecessários. Bastaria afastar o adjetivo "sujo" do respeitável substantivo "governo". Assim, teríamos: 
O rio Pinheiros sem cheiro, ainda que sujo, é a meta do governo.
Ou em jornalês telegráfico:
Governo quer rio Pinheiros sem mau cheiro, mesmo que sujo.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Curso de Letras: muito além da sala de aula

Trago uma boa notícia para aqueles que gostam de estudar a língua portuguesa, idiomas estrangeiros e suas respectivas literaturas e culturas: o mercado de trabalho para os egressos de Letras possui hoje uma diversidade de atuação impensável há alguns anos. Devido à crescente valorização da comunicação nas sociedades informativas, esses profissionais estão em alta e tendem a ser valorizados no mercado de trabalho.
Pensemos nessa atuação em espaços de trabalho distintos:
- em empresas, a procura pelo profissional de Letras é proporcional à consciência que as organizações adquirem sobre a importância da comunicação em seus negócios. Há um grande espectro de ação desses profissionais que vai de peças publicitárias a cartas comerciais, de redação de e-mails a de memorandos. Se bem redigidos, contam-se pontos favoráveis à empresa.
Nesse contexto, o profissional com conhecimento linguístico bem sedimentado atua a fim de mapear problemas em situações concretas de comunicação. Não se trata simplesmente de correções gramaticais: seu papel é o de mediador de processos comunicativos, capaz de perceber diferentes sentidos e nuances ideológicos e intervir de forma fundamentada, tendo como base as teorias linguísticas. Essas intervenções podem aprimorar todo o trajeto comunicativo das empresas, seja em linguagem escrita ou oral.
- nas editoras, a atuação é ainda mais ampla, pois o profissional em Letras faz-se presente em todas as etapas dos processos editoriais: seleção e edição de textos, redação e preparação de originais. Nesses casos, os materiais envolvem todo tipo de obras: literárias, científicas, com ênfase na produção de material didático e planejamento de coleções. As traduções também oferecem campo de trabalho fértil no cenário globalizante da atualidade.
- em novas tecnologias, a produção de textos digitalizados - CD-ROMs, tablets, e-readers, livros eletrônicos - está apenas começando a frequentar o mercado brasileiro. Esses acervos digitalizados requerem profissionais aptos a lidar com essa tecnologia, quer no aspecto de produção, quer no de revisão.
- em trabalhos realizados por autônomos, a tradução e a revisão podem atender a particulares. Ademais, sabemos que trabalhos acadêmicos, sobretudo dissertações e teses requerem redação cuidadosa. No mesmo contexto, várias instituições organizam revistas acadêmicas, cuja versão final deve ser impecável. Nessas situações, o profissional de Letras torna-se imprescindível.
em escolas, o profissional de Letras pode atuar como professor no ensino fundamental e médio. Muitos tendem a afastar-se dessa opção, afugentados pelos baixos salários da categoria. No entanto, vale lembrar que, ao lado das escolas públicas, colégios privados considerados de excelência pagam muito bem a esse profissional, além de oferecer estabilidade e plano de carreira estimulante.
- no ensino superior, ao profissional em Letras que deseja atuar em universidade, é imprescindível prosseguir os estudos em pós-graduação lato sensu ( cursos de no mínimo 360 horas) e stricto sensu (mestrado e doutorado). A docência é um mercado consolidado e em crescimento, como demonstram as relações entre educação e desenvolvimento econômico.
- em nível de língua estrangeira, o mercado de português mostra-se em franca expansão, tanto na atuação em escolas bilíngues como em instituições internacionais.
- em outros mercados: roteirista (por exemplo, a transposição crescente de obras literárias para o cinema, a televisão e os meios virtuais) resenhista, ensaísta, assessor cultural, crítico literário, intérprete, secretário bilíngue, redator de manuais técnicos, de sinopses de livros e filmes, de textos para internet.
Diante de tantas perspectivas de trabalho, num leque bastante amplo de opções, o quadro geral da carreira mostra-se abrangente e incentivador.  É, pois, momento de refletir sobre as reais possibilidades de atuação de um bom profissional em Letras .

terça-feira, 29 de maio de 2012

Vestibulares de inverno: a prova de redação

Pensando em ajudar os alunos a delinear o perfil de redação das universidades que realizam suas seleções de inverno nas próximas semanas, sinalizo as tendências temáticas dos últimos dois anos.
A Unesp prefere manter a tradição de pedir um texto dissertativo-argumentativo e apresentar uma coletânea de textos motivadores. Em 2009, aproveitando o sucesso do Twitter, a banca pediu redação sobre o tema Tecnologia e invasão de privacidade. O texto de apoio apresentava uma foto de Chico Buarque com uma mulher casada, tirada por um paparazzo. Já em 2010, cobrou a importância dos valores para a sociedade, apresentando uma pesquisa em que os brasileiros atribuem a situação do País, em áreas como educação e violência, à falta de valores morais. Em 2011, com a abrangência dos tablets, perguntou qual seria o futuro do livro.  
O Mackenzie não diz explicitamente o assunto da redação: pede uma dissertação que discorra sobre traços comuns ao material de apoio. Em 2009, a proposta de redação mostrou-se muito subjetiva: A eterna busca, em que o candidato deveria associar ideias dos textos ao seu repertório de conhecimento de mundo e conhecimento enciclopédico. Já em 2010, os textos de apoio tratavam da escassez e desperdício de água, e Tá com sede? foi a pergunta mote para a dissertação. Em 2011, o tema comum foi o gerenciamento do lixo urbano. A intenção foi mostrar a importância de Estado e cidadãos numa postura mais proativa em face ao problema.  
A PUC-SP aplica prova temática, de modo que todas as disciplinas e a redação giram em torno de um mesmo assunto. Em 2010, cobrou uma dissertação sobre a imagem que o brasileiro tem hoje da capital federal. O tema da redação de 2011 pedia que o candidato escrevesse uma carta para um jornal local, analisando as vantagens e desvantagens de sua cidade ser incluída no trajeto do trem-bala.
A FGV apresenta uma prova em que interdisciplinaridade, conexão de temas com a futura atuação do candidato e reflexão deverão estar associados. Em 2009, Janela demográfica exigia que os candidatos discorressem sobre fatores sociais, culturais e econômicos que pudessem explicar a tendência de queda da taxa de natalidade e as mudanças na pirâmide etária brasileira. Em 2010, a redação com tema Meritocracia baseava-se em um trecho de "A Ralé Brasileira", de Jessé Souza. Exigia que o candidato definisse meritocracia e apontasse como ela se manifesta no País. Barbárie e humanismo na Europa contemporânea foi o tema da redação de 2011. Cabia discutir xenofobia e resistência a uma sociedade multicultural.
O INSPER, pela primeira vez, vai pedir duas redações no vestibular. Os textos deverão ser dissertativos, tendo entre 10 e 30 linhas. A redação de 2009 cobrava uma reflexão sobre o papel da TV como o "atual ópio do povo". Em 2010, foi usada uma charge e trechos de "A hora da estrela" e "Dom Casmurro" para motivar o candidato a escrever sobre Solidão: perdas ou ganhos. No último exame, o tema foi O papel da mídia digital nas sociedades, exigindo do candidato seu conhecimento prévio, já que não apresentou texto de apoio.
A ESPM oferece ao candidato escolher o tema de sua redação entre duas opções. Em 2010, o primeiro tema focava o senso crítico necessário para achar informações confiáveis na web. O segundo abordou a China (sociedade e ambiente). Baseado em um texto sobre Bono, em 2011, o primeiro tema discorria sobre o apoio do artista a causas sociais e ambientais. Se preferisse, o candidato poderia escrever sobre o Brasil na economia mundial.
Sabemos que nem toda redação de vestibular é uma dissertação, e que nem toda prova tem só uma proposta de redação. Portanto, não podemos perder de vista que, para garantir uma boa nota em competência escrita, é necessário treinar também outras modalidades textuais. Isto significa escrever, escrever e escrever. Esse é o caminho que  coloca o candidato em larga vantagem em qualquer processo seletivo. Então, não resta outra saída que não seja o enfrentamento: vamos à luta!

terça-feira, 22 de maio de 2012

ROCK DIDÁTICO: SUJEITO SIMPLES

Já há algum tempo, professores de 3º colegial e de cursinho utilizam ritmos e melodias populares para ajudar os alunos a memorizar os conteúdos das disciplinas. A estratégia é bastante usada, principalmente, nas aulas de português, cuja gramática cheia de regras e exceções, às vezes, torna-se um obstáculo ao aprendizado. Foi a partir dessa ideia que dois músicos de Curitiba (PR) - Jessica Steil e Marcelo Darcini - pensaram em gravar canções, versando sobre alguns tópicos do conteúdo normativo da língua portuguesa que mais confundem a cabeça dos estudantes. Surgiu daí a banda Sujeito Simples, a primeira de que se tem notícia no gênero "rock didático". Canções como Preposição, Advérbio, Crase e Pronomes Pessoais, entre outras, brincam com conceitos caros à gramática da língua portuguesa, valendo-se de letras que reveem e fixam regras e ensinamentos do idioma sem deixar de lado os vocais e as guitarras distorcidas característicos do rock'n'roll.
Sem dúvida, é mais uma opção, descontraída e alegre, de se aprender um pouco mais a língua de Camões. 
Mais detalhes: www.sujeitosimples.com.br 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Mulher: uma homenagem

No dia Internacional da Mulher, vale lembrar o respeito, a admiração, a reverência com que José Saramago tratou a mulher em seus romances: M. no Manual de Pintura e Caligrafia, Joana Carda em A Jangada de Pedra, Blimunda no Memorial do Convento, Maria Sara e Ouruana na História do Cerco de Lisboa.
Deixo um fragmento do Manual de Pintura e Caligrafia que pode corroborar o que aqui foi dito:
"Sempre fico espantado diante da liberdade das mulheres. Olhamo-las como a seres subalternos, divertimo-nos com as suas futilidades, troçamos quando são desastradas, e cada uma delas é capaz de subitamente nos surpreender, pondo diante de nós extensíssimas campinas de liberdade, como se no rebaixo da sua servidão, de uma obediência que a si mesma parece buscar-se, levantassem as muralhas de uma independência agreste e sem limites. Diante desses muros, nós, que tudo julgávamos saber do ser menor que viemos domesticando ou achamos domesticado, ficamos de braços caídos, inábeis e assustados.(...)
Quando os poetas românticos diziam (ou dizem ainda) que a mulher é uma esfinge, acertam, abençoados sejam. A mulher é a esfinge que teve de ser porque o homem arrogou do senhorio da ciência, do tudo saber, do poder tudo. Mas é tanta a fatuidade do homem, que à mulher bastou levantar em silêncio os muros da sua recusa final, para que ele, deitado à sombra, como se deitado estivesse sob uma penumbra de pálpebras obedientes, pudesse dizer, convicto:' Não há nada para além desta parede.'
Tremendo engano de que acabamos de acordar."
Mulher, parabéns!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Portinari: Guerra e Paz

Fico feliz por abrir meu primeiro texto de 2012 com uma belíssima sugestão: conferir a exposição Guerra e Paz, de Portinari. Está imperdível!
São dois painéis, medindo 14x10m cada um, encomendados pelo governo brasileiro para presentear a sede da ONU, em Nova York. Entre 1952 e 1956, Candido Portinari dedicou-se com afinco no projeto, na excecução e na conclusão de seus últimos e maiores murais.
É surpreendente a abordagem totalmente inovadora criada por Portinari em relação aos temas. No painel Guerra, o pintor não identifica guerra alguma, isto é, não apresenta nenhuma arma, nem cenas sangrentas, corpos dilacerados, como se quisesse dizer que, em se tratando de guerras, todas convergem, fatalmente, para o desencadeamento do horror e da bestialidade, dispensando a referencialização explícita. Dessa forma, Guerra não carrega as cores bíblicas do fogo e do sangue, nem o preto, o branco ou o amarelo: é o azul que domina. As figuras são apresentadas ora em um grupo complexo, ora com corpos curvados, em genuflexo, ora com braços levantados com mãos em súplica e cabeças erguidas com os rostos voltados para o céu.
No painel Paz, encontram-se inúmeras reminiscências de obras anteriores de Portinari. Diferentemente de Guerra, as cores de Paz são mais suaves, com matizes que transmitem uma aura de encantamento e paz naqueles que o contemplam. Em tons reluzentes, alegres e cheios de vida, as figuras se apresentam harmoniosas, comungando a fraternidade tão esperada por todos nós.
Além dos painéis, a exposição reúne cerca de uma centena de estudos preparatórios de Portinari para Guerra e Paz, incluindo obras de coleções internacionais vindas de Londres e Milão. A exposição se completa com documentos históricos, como cartas, recortes de jornais e fotografias, que contam, em detalhes, toda a trajetória de criação dos grandiosos painéis.
Vale muiiiito a pena conferir.
Guerra e Paz, Salão de Atos Tiradentes e Galeria Marta Traba.
Memorial da América Latina (Metrô Barra Funda)
terça a domingo das 9h às 18h

Quem sou eu

Mirian Rodrigues Braga é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Especializou-se em analisar as obras de José Saramago. Em 1999, publicou A Concepção de Língua de Saramago: o confronto entre o dito e o escrito e também participou da coletânea José Saramago - uma homenagem, por ocasião da premiação do Nobel ao referido autor. Em 2001, publicou artigo na Revista SymposiuM da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou como professora-assistente no Curso de Pós-Graduação lato sensu da PUC/SP. É professora de Língua Portuguesa e Redação no Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular do Colégio Argumento.