segunda-feira, 15 de março de 2010

Como usar os demonstrativos?

É muito comum as pessoas terem dificuldades relativamente ao emprego dos pronomes demonstrativos, já que as gramáticas apresentam excesso de regras para a aplicação desses pronomes, muitas das quais redundantes e até confusas. Na verdade, o demonstrativo tem duas funções ou usos distintos. O ideal é conhecer a única regra básica para cada demonstrativo em cada uma dessas funções.
A primeira função é chamada de pragmática ou situacional, pois o pronome refere-se à situação, ao contexto em que a fala ocorre, e seu uso é paralelo e equivalente ao dos advérbios pronominais "aqui" ( para a 1ª pessoa), " aí" ( para a 2ª) e " ali" (para a 3ª).
Assim, o uso de "este" equivale, situacionalmente, ao de " aqui"; o de " esse", ao de " "; e o emprego de "aquele", ao de " ali". Vejamos alguns exemplos:
Quero saber quem é aquela jovem (ali).
Este aluno que está sentado ( aqui ), chegou atrasado à aula.
Esse livro () é, sem dúvida, excelente.
Dessa forma, " este" refere-se ao universo espácio-temporal do falante: " este" relógio ( aqui) é o que estou usando ou tenho em mão; esta sala ( aqui) é a sala em que me encontro; este momento é sinônimo de agora.
"Esse" refere-se ao universo distante do falante , mas não obrigatoriamente próximo ao do ouvinte. Ao referir-me, por exemplo, a " esses políticos de Brasília" , não estou necessariamente apontando para o universo espácio-temporal do meu interlocutor. Mas, ao referir-me a " esse vestido ( ) que você está usando", aponto para o universo do ouvinte.
"Aquele", por sua vez, só se refere a algo distante do falante e do ouvinte: Quem é aquela criança que vai ali?
A segunda função do demonstrativo é chamada textual ou sintática. O demonstrativo, nessa função, refere-se ao já dito (anafórico), ou ao que ainda será dito ( catafórico) num texto.

  • "Este", quando empregado sozinho, sem oposição, refere-se ao que ainda será dito: " O problema central é este: falta de dinheiro.

  • " Esse" é sempre empregado sozinho, sem oposição, e refere-se sempre ao que já foi dito no texto: ' Fé, esperança e caridade - essas são as virtudes teologais.

  • " Aquele" é usado apenas em oposição a "este" e em referência ao já dito no texto: Marcos é estudioso, e Mariana nem tanto. Aquele passará no vestibular, mas esta talvez seja reprovada. Repare que nunca se deve dizer " esse" em oposição a " aquele".

Essas regras têm exceções: delas excluem-se as formas cristalizadas na língua, inalteráveis, como " isto é" ( nunca " isso é" ), " por isso" (nunca " por isto"), " posto isso" ( nunca " posto isto" e tampouco " isto posto") .



segunda-feira, 1 de março de 2010

As sutilezas do "mas"

Início de ano letivo: tempo de rever, exercitar e dominar as diversas modalidades redacionais. É bom lembrar que a estrutura dissertativa exige muito cuidado no uso dos elementos coesivos - os que "costuram" períodos e parágrafos -, já que promovem ou não a coerência do texto.
Atentemos à conjunção mas, que pode realçar conclusões e marcar oposição entre sentidos diferentes.
Nas sequências " É loira, mas é inteligente" , " É inglês, mas é caloroso" , " É argentino, mas é modesto" , observamos que são exemplos propositalmente estereotipados e preconceituosos cujo objetivo não é a discussão de questões culturais ou ideológicas, e sim o funcionamento do "mas".
Os livros didáticos costumam repetir que o "mas" é uma conjunção adversativa que 'une' duas orações para formar um período composto por coordenação.
Nos exemplos acima, a segunda oração não é uma adversativa da primeira: parece impossível que alguém sustente que " inteligente" se opõe a "loira", que " caloroso" se opõe a "inglês" e que " modesto" se opõe a "argentino".
O que provavelmente se pode dizer é que os três predicados se opõem a outros que estão associados (são estereótipos) a loiras, a ingleses e a argentinos: loiras seriam burras, ingleses seriam frios e argentinos seriam orgulhosos.
Dessa forma, inteligente, caloroso e modesto opõem-se não ao que é dito na primeira oração, mas a um implícito associado a elas. O sentido expresso pelo termo "adversativa" faz sentido, claro, mas não se manifesta na superfície do dito.
O semanticista francês Oswald Ducrot propôs uma boa explicação para o " mas" : ele não contrasta as duas orações que une, mas opõe a segunda (ou o que se conclui dela) ao que se conclui da primeira. Observemos um exemplo bem cotidiano: " A casa é grande, mas é cara". Em cultura como a nossa, o fato de a casa ser grande é um argumento para comprar ou alugar (casas grandes são valorizadas) e o fato de ela ser cara é um argumento para não comprar ou alugar. Assim, o funcionamento da conjunção "mas" é o seguinte: opõe as conclusões implícitas e faz a segunda ser mais forte do que a primeira.
Sírio Possenti faz uma outra sugestão em relação ao "mas", dizendo que esta conjunção marca a oposição entre dois pontos de vista que podem ser expostos em duas orações simples, mas também podem sê-lo em dois longos trechos, já que o " mas" é um marcador discursivo.
Por tudo isso, o "mas" merece atenção em seu emprego no texto dissertativo, a fim de que contribua, efetivamente, para instaurar os sentidos previstos na argumentação.




Quem sou eu

Mirian Rodrigues Braga é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Especializou-se em analisar as obras de José Saramago. Em 1999, publicou A Concepção de Língua de Saramago: o confronto entre o dito e o escrito e também participou da coletânea José Saramago - uma homenagem, por ocasião da premiação do Nobel ao referido autor. Em 2001, publicou artigo na Revista SymposiuM da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou como professora-assistente no Curso de Pós-Graduação lato sensu da PUC/SP. É professora de Língua Portuguesa e Redação no Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular do Colégio Argumento.